Iniciativa realizada na orla de Natal reúne pessoas em sofrimento emocional e prepara parte do grupo para a 100ª Corrida de São Silvestre, em São Paulo.
Todos os domingos, às seis da manhã, enquanto a cidade de Natal ainda desperta lentamente, um grupo se reúne na orla marítima com um objetivo que vai além da atividade física. Ali, correr e caminhar se tornam ferramentas de cuidado emocional, reconstrução da autoestima e criação de vínculos. É nesse cenário que acontece o ADRA Runners, projeto social desenvolvido pela ADRA na região Nordeste.
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Criado em 2018 e interrompido durante a pandemia, o projeto foi retomado em 2020 com um foco mais definido. “O que percebemos após a pandemia foi um aumento muito grande nos casos de depressão e ansiedade”, afirma Erinaldo Costa, diretor regional da ADRA. “Foi a partir dessa realidade que intensificamos o projeto com o objetivo de cuidar diretamente dessas pessoas.”

Projeto da ADRA utiliza corrida e caminhada como ferramentas de apoio no enfrentamento da depressão e da ansiedade. (Foto: Divulgação)
A escolha pela corrida e pela caminhada não é aleatória. Segundo Erinaldo, a decisão se baseia em evidências científicas e em fatores simples, mas potentes: contato com a natureza, exposição à luz solar e criação de uma rotina coletiva. “A prática de atividades físicas, especialmente ao ar livre, é reconhecida como um dos melhores aliados no enfrentamento da depressão e da ansiedade”, diz.
Rede de apoio ao ar livre

Participantes do ADRA Runners se reúnem semanalmente na orla de Natal para atividades físicas que unem saúde, convivência e cuidado emocional. (Foto: Divulgação)
Os encontros acontecem semanalmente e contam com uma equipe voluntária formada por educadores físicos, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos. O acompanhamento é adaptado às condições de cada participante, respeitando limites físicos e emocionais.
O perfil de quem procura o projeto chama atenção. “Em sua maioria, são pessoas que lutam contra a ansiedade”, explica Erinaldo. “O que mais nos surpreende é perceber que muitas delas aparentam estar bem, são ativas nas redes sociais, mas vivem batalhas internas que ninguém imagina.”
Com o tempo, os resultados começam a aparecer — e não apenas no condicionamento físico. “Temos pessoas que venceram crises de ansiedade, outras que perderam peso, recuperaram a autoestima e voltaram a sorrir”, afirma o coordenador. “São pessoas que chegaram tristes e hoje dizem que ganharam uma nova vida.”

Iniciativa promove bem-estar físico e fortalecimento de vínculos sociais por meio da prática esportiva ao ar livre. Foto: Divulgação)
‘Correr era algo inimaginável’
Uma dessas histórias é a de Sheila Cristina de Souza, gerente operacional, de 44 anos. Ela conheceu o ADRA Runners por meio de uma amiga, em um momento delicado da vida. “Eu estava acima do peso, com crises depressivas e começando a me interessar pelo universo das corridas”, conta.
O impacto veio rápido. “Passei a ter mais disposição, mais energia e, desde então, não tive mais crises de depressão”, diz. Para ela, o diferencial está no coletivo. “Correr com o grupo é sensacional. Um incentiva o outro, sempre respeitando os limites.”
O primeiro treino ficou marcado na memória. “Eu sempre achei que correr jamais faria parte da minha vida. Achava que não tinha fôlego nem capacidade. Conseguir concluir um treino foi esplêndido.”
Além dos ganhos físicos, Sheila destaca o efeito emocional. “Quando comecei a perder peso, meu dia passou a ser mais produtivo e eu me senti bem comigo mesma. O grupo é uma bênção. Fiz muitas amizades, e há um cuidado genuíno entre todos.”
Da orla de Natal à São Silvestre

Parte do grupo se prepara para participar da 100ª Corrida Internacional de São Silvestre, em São Paulo. (Foto: Divulgação)
O próximo desafio do grupo é simbólico: a participação na 100ª Corrida Internacional de São Silvestre, no fim do ano, em São Paulo. A ideia vem sendo construída há dois anos e dialoga diretamente com a proposta do projeto.
“A São Silvestre é a corrida mais tradicional da América do Sul. É um sonho para qualquer corredor”, diz Erinaldo. “Como trabalhamos com superação e metas, entendemos que esse desafio representa muito mais do que uma prova.”
Para Sheila, a possibilidade parecia distante. “Era algo inimaginável. Mas quando o Erinaldo falou, eu disse: eu vou. Pela fé”, afirma. “Deus tem aberto caminhos, e estou muito feliz e ansiosa para viver esse momento.”
A preparação envolve desafios, especialmente financeiros. “Esse é, inclusive, um dos maiores obstáculos do projeto hoje”, reconhece o coordenador. “Muitos participantes não têm condições de comprar tênis ou pagar inscrições. Nosso sonho é conseguir parcerias para viabilizar isso.”
Enquanto isso, todos os domingos, o grupo segue se encontrando na orla. Alguns correm, outros caminham. Todos, de alguma forma, seguem em movimento, não apenas no asfalto, mas também na reconstrução da própria vida.



