Além das margens

Expandir o alcance das ações humanitárias entre os povos indígenas requer mais pessoas dispostas a colaborar

Nas margens do rio Araguaia, no coração do Brasil, encontra-se a divisa entre os estados do Mato Grosso e Tocantins. De um lado, está a cidade de São Felix do Araguaia (MT), do outro, a Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo. Nessa região, reside a comunidade indígena karajá. Apesar do longo convívio com outras culturas, essa etnia preserva seus costumes tradicionais, como a língua nativa, o ritxoko (boneca de cerâmica), que em 2012 recebeu o título de patrimônio cultural do Brasil, as pescarias familiares, o artesanato em madeira e as pinturas corporais, como os característicos círculos na face que os identificam.

No último século, os povos indígenas que vivem na região do Araguaia têm sofrido os impactos da ocupação e influência de pessoas que trouxeram álcool, drogas e outras adversidades às aldeias.

De acordo com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), a violência contra as mulheres aumentou 73% nos últimos anos. Já um relatório do Ministério da Saúde, publicado em 2017, mostrou que 44,8% dos suicídios entre os povos indígenas envolviam crianças, adolescentes e jovens na faixa dos 10 aos 19 anos. Líderes da etnia karajá, organizações governamentais de saúde e educação, associações de base comunitária, bem como membros e líderes da Igreja Adventista na região Centro-Oeste do país, têm mostrado preocupação diante dos números e da falta de perspectiva da juventude indígena.

Para Rafaela Reis, coordenadora do núcleo da Adra para a região do Araguaia, os indicadores evidenciam a extrema vulnerabilidade dos adolescentes indígenas. Por isso, a agência humanitária adventista voltou a atuar com novos projetos na região. “A Adra e a comunidade têm trabalhado em conjunto. Todos os projetos têm como base a comunidade. É crucial que compreendamos suas necessidades e respeitemos sua cultura, a fim de fundamentar e implementar os projetos com sucesso”, ressalta.

Labé Kàlàriki Idjawaru Karajá é o coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena – Araguaia. Ele reconhece que essa colaboração tem trazido benefícios para as comunidades nativas. “Os projetos em andamento são muito significativos, especialmente para a juventude. Espero que essa parceria perdure, para que possamos colher ainda mais resultados positivos.”

NOVOS PROJETOS

Em 2022, na Ilha do Bananal, o núcleo da Adra no Araguaia deu início ao projeto “Awire”, em parceria com a Educação Indígena da Secretaria de Estado da Educação do Tocantins (Seduc-TO). Voltada para crianças e adolescentes, a iniciativa promove atividades socioeducativas com o objetivo de proporcionar conhecimento e desenvolvimento, afastando, assim, as novas gerações do álcool, das drogas e reduzindo a evasão escolar, entre outras vulnerabilidades. Para Raquel Xandiari, diretora da escola indígena Maluá, a mudança é perceptível. “Por meio do projeto, os alunos começaram a se desenvolver mais e perder a timidez. Eles não se expressavam, guardavam os sentimentos. Agora eles os expressam livremente”, destaca. O projeto conta com profissionais das áreas de saúde e educação.

Na cidade de São Félix do Araguaia, o projeto “AdoleSente” dedica-se a discutir com os adolescentes temas como violência doméstica, abuso, gravidez na adolescência, preconceito e suicídio, entre outros. Em colaboração com a prefeitura, o objetivo é promover o desenvolvimento pessoal e social, auxiliando-os a expressar de forma mais eficaz suas necessidades e seus sentimentos.

Em 2023, uma nova base do núcleo da Adra foi inaugurada em São Félix, às margens do rio Araguaia. A estrutura foi planejada para receber voluntários do Brasil e do mundo, que atuarão em missões de longo e curto prazos, implementando projetos sociais conforme as necessidades da região.

Neste ano, após participarem do curso “Missão Transcultural”, promovido pelo Instituto de Missão da igreja na região Centro-Oeste do Brasil, oito voluntários optaram por dedicar um ano para ajudar a comunidade karajá. Entre eles estão os argentinos Gonzalo Martínez e Alice Pittana. Recém-casados e apaixonados pela missão, eles se inscreveram no site do Serviço Voluntariado Adventista (SVA). “Após concluirmos o processo, recebemos uma mensagem informando sobre um projeto no qual poderíamos servir com base em nossas profissões. Ao conhecermos a iniciativa do Araguaia, decidimos vir”, o casal afirma.

Gonzalo é professor de educação física e está diretamente envolvido nos projetos “Awire” e “Garotos e Garotas Brilhantes”. Alice é médica e estará vinculada a um novo projeto de promoção do estilo de vida saudável, em parceria com profissionais de educação e saúde da região.

Além do casal, ao longo de 2024 a base contará com psicólogos, um professor de reforço escolar e um cozinheiro, todos voluntários. Mas, e quem não pode ficar por um ano? Pensando nesse público, o núcleo da Adra no Araguaia realiza missões de curta duração, com uma média de um mês, que são de grande importância para o projeto. “Precisamos de pessoas dispostas a trabalhar com crianças e adolescentes, além de profissionais das áreas de saúde e saneamento. Também estamos desenvolvendo um projeto no qual os voluntários vão auxiliar na construção de módulos sanitários domiciliares, que são banheiros adaptados para pessoas com necessidades especiais, uma demanda urgente na Ilha do Bananal”, explica a coordenadora Rafaela.

A missão deve alcançar toda língua, tribo e nação. Há muito trabalho a ser feito. O objetivo da Adra no Araguaia é ampliar os projetos e alcançar as aldeias mais distantes da região. No entanto, é necessário ter voluntários dispostos a ir aos lugares em que as pessoas estão. “Bem-aventurado aquele servo a quem seu senhor, quando vier, achar fazendo assim”. Ou, no idioma karajá: “Kia riwinykeki, deysamy rarekre teòdu rehemynykreu” (Mt 24:46).

ANNA PAULA RODRIGUES é jornalista e atua como assessora de comunicação na União Centro-Oeste Brasileira

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